O adeus a Francisco, o Papa que propagou no mundo a ‘alegria do Evangelho’
Após 12 anos de pontificado, o Papa Francisco faleceu no Vaticano, na manhã da segunda-feira, 21 de abril de 2025, aos 88 anos de idade. Na Cátedra de São Pedro desde março de 2013, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio “nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados”, disse o Cardeal Kevin Joseph Farrell, Camerlengo da Santa Igreja Romana, ao anunciar o falecimento do Pontífice.
Editorial - Jornal O São Paulo

O Papa que anunciou a alegria do Evangelho

Escolhido pelos cardeais da Santa Igreja, pela ação do Espírito Santo, para a Cátedra de São Pedro no conclave de 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio adotou o nome de Francisco para se fazer próximo aos pobres – como o Santo de Assis – e sonhou uma Igreja “que acolhe, serve, ama, perdoa, sem nunca exigir antes um atestado de boa conduta. Uma Igreja com as portas abertas, que seja porto de misericórdia”, conforme declarou na missa de conclusão da assembleia sinodal em outubro de 2023.

Em seus 12 anos de pontificado, Francisco protagonizou marcantes encontros com os pobres, doentes, migrantes, idosos, jovens, encarcerados, pessoas com deficiência, e fez firmes alertas sobre a degradação do meio ambiente pela ação humana, especialmente na encíclica Laudato si’, publicada em 2015.

O primeiro Papa latino-americano da história também iniciou reformas na Igreja, não por caminhos disruptivos, mas pelo amplo diálogo, seja ouvindo o conselho de cardeais para reorganizar as estruturas da Cúria Romana, a fim de torná-la mais servidora e colaborativa com a Igreja global; seja pelo Sínodo sobre a Igreja Sinodal (2021-2014), no qual enfatizou a natureza missionária e misericordiosa da “Igreja em saída”, irradiadora da alegria do Evangelho “que preenche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus”, conforme escreveu na Evangelii gaudium, sua primeira exortação apostólica publicada em 2013. Esse caminhar juntos também foi visto nos sínodos sobre a Família (2015-2016), sobre os Jovens (2018) e para a Amazônia (2019). Ele acreditava, firmemente, que na Igreja o caminho se faz entre irmãos, com confiança mútua na unidade, respeitando as diferenças.

Francisco também fez os líderes mundiais se atentarem para as periferias geográficas e existenciais, criticou a “cultura do descarte” que degrada o meio ambiente, mata nascituros e põe fim à vida de idosos e doentes. Usando linguagem simples e gestos fraternos, foi ao encontro daqueles que estão à margem da sociedade. Sem mudar as questões de fé e moral, também procurou curar as feridas, com diferentes atitudes de acolhimento àqueles que se sentiam afastados da Igreja ou por ela machucados por erros passados.

O 266º Papa da Igreja Católica exergou um mundo com a paz fragilizada. Dizia que estamos vivendo a “Terceira Guerra Mundial em pedaços”, enfatizava que a “guerra é sempre um mal” e que os únicos vencedores são “os vendedores de armas”. Francisco colocou a estrutura diplomática da Santa Sé a serviço dos povos atingidos pelos conflitos, tentou esforços de mediação e rezava diariamente pela paz, mesmo quando esteve hospitalizado. Em seu testamento espiritual, ele ofereceu ao Senhor o sofrimento de sua parte final de vida “pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos”.

No Domingo da Páscoa da Ressurreição do Senhor, já com a respiração ofegante e voz rouca, Francisco abençoou os fiéis na Praça São Pedro e desejou-lhes feliz Páscoa. E, pela última vez, a multidão ouviu sua mensagem – por ocasião da bênção “Urbi et Orbi” – lida por Dom Diego Giovanni Ravelli, mestre de Celebrações Litúrgicas Pontifícias: “Cristo ressuscitou! Neste anúncio encerra-se todo o sentido da nossa existência, que não foi feita para a morte, mas para a vida. A Páscoa é a festa da vida! Deus criou-nos para a vida e quer que a humanidade ressurja!… Gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros… a ter esperança de que a paz é possível!”. Demos graças a Deus pelo pontificado de Francisco e oremos pela Igreja, que continuará a ser dirigida pela ação do Espírito Santo e unida na figura do próximo Romano Pontífice.

Adeus, Papa Francisco

O Papa Francisco, peregrino de esperança, terminou seu peregrinar por este mundo no início da manhã da segunda-feira na Oitava da Páscoa. Todos sabíamos que sua saúde estava abalada e seu estado era delicado, mas não se esperava um final tão rápido de sua vida. Conforme informações médicas, ele faleceu de insuficiência respiratória aguda e de AVC. Seu organismo, muito exigido e debilitado pelo longo tratamento, não aguentou mais e o Papa faleceu. Como todos os mortais, os papas também falecem.

A morte de Francisco causou grande comoção em muitos lugares, pois era muito estimado por católicos e não católicos. Eleito Bispo de Roma e Sucessor do apóstolo Pedro em março de 2013, ele serviu à Igreja como Sumo Pontífice durante algo mais que 12 anos, promoveu reformas importantes na Igreja, deu-lhe um novo impulso missionário, teve um olhar privilegiado para as periferias geográficas, sociais e eclesiais, combateu a guerra, a violência, o tráfico de armas e o aviltamento da dignidade humana, sobretudo nas massas de descartáveis da sociedade.

Francisco esteve muito atento às questões internas da vida da Igreja, para corrigir certos males e orientar para o bem toda a ação eclesial. Dedicou-se ao aprofundamento do testemunho evangélico de todos na Igreja; à coerência com as palavras de Jesus; ao exercício da autoridade como serviço, e não como busca e expressão de vaidades pessoais; à honestidade transparente em tudo; à valorização da participação de todos os membros na vida e missão da Igreja. Desencadeou processos para tornar nossa Igreja, na prática, sempre mais sinodal, em comunhão, participação e missão. Importou-se muito com a melhora na pregação da Palavra de Deus, na boa celebração da Liturgia e na acolhida de todos na Igreja. Lembrava sempre que a Igreja precisa ser como um hospital de campo, para acolher os feridos e cuidar deles; que, na Igreja, há lugar para “todos, todos, todos”, e não apenas para os que já são considerados bons e salvos. Nisso lembrava a resposta de Jesus aos que O criticavam porque acolhia todo tipo de gente e até entrava na casa de pecadores públicos e tomava refeição com eles: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores. Os doentes é que têm necessidade do médico, e não os que têm saúde”.

A atenção pastoral do Papa Francisco não se voltou apenas para a vida interna da Igreja: esteve atento aos problemas do mundo e interveio muitas vezes contra a corrida armamentista e as guerras, em favor da solução dos conflitos mediante o diálogo e a negociação, para alcançar uma paz consolidada; tomou posição firme na defesa dos migrantes e refugiados, diante do fechamento de fronteiras, da rejeição e discriminação aos migrantes; falou duro contra a concentração da economia em mãos cada vez menos numerosas e fechadas, desatenta diante das necessidades fundamentais dos povos e com o fim de acumular mais e mais riquezas e privilégios; falou contra os diversos tipos de discriminação e violência que se cometem contra as pessoas por questões de gênero, raça, condição social, religião ou cultura; teve uma posição firme e clara em relação aos cuidados da “casa comum”, nosso planeta Terra e a natureza que nos abriga, alimenta e alegra; colocou parâmetros éticos e teológicos que devem nortear nossa relação e interferência com a natureza, que é um bem para todos.

Em seu pontificado, Francisco deixou marcas que certamente ajudarão a Igreja a se orientar no futuro, pois estão solidamente embasadas no Evangelho e no ensinamento tradicional da Igreja. Nestes dias de luto e despedida dele, damos graças a Deus pela vida desse primeiro Papa Jesuíta e Latino-Americano, que já foi descrito como “fruto maduro da Igreja da América Latina”, compartilhado com a Igreja e a humanidade inteira. A Igreja de Cristo caracteriza-se pela partilha de seus dons, para que beneficiem os irmãos e a missão, e não apenas nos seus próprios espaços, mas onde se faz necessário, no mundo inteiro.

Nestes dias do funeral do Papa, da preparação e da realização do conclave, todos os católicos são convidados a se unir em oração ao Espírito Santo pela Igreja e pela eleição do novo Pontífice. A escolha do novo Papa é um ato eclesial, feito no contexto da fé e da missão da Igreja. Não é um simples ato “político”, embora muitos assim o interpretem. A Igreja reza com fé e pede ao Espírito Santo, que a conduz e anima na sua missão, para que manifeste o desígnio de Deus por meio do discernimento que os cardeais devem fazer na escolha do novo Papa. Nós cremos que o Espírito Santo age desta forma: quando o invocamos e pedimos suas luzes, abrindo-nos às suas inspirações com sinceridade e na busca do verdadeiro bem da Igreja.

No momento atual, a Igreja Católica precisa unir-se mais e mais em torno de sua fé, de sua missão e de seus pastores. Infelizmente, a polarização ideológica e política entrou também no convívio eclesial, com consequências, divisões e cismas desastrosos. Precisamos unir-nos novamente em torno do que tem peso maior do que as opções partidárias e ideológicas: a nossa fé comum, nossa pertença à mesma Igreja, nosso seguimento do mesmo Mestre, Senhor e Salvador. E, assim, unidos e em comunhão, como Igreja, poderemos dedicar-nos com mais liberdade e fruto à missão comum. Deixemo-nos surpreender pela Providência de Deus. Quem for legitimamente eleito, será o Papa de todos os católicos e assumirá a missão que lhe é própria. Existe a seguinte convicção na vida da Igreja: para cada momento da vida da Igreja, Deus manda o Papa certo. Não será diferente desta vez.

A Igreja em 12 anos com Francisco

Pontificado foi marcado por gestos, palavras e reformas que buscaram transmitir ‘a alegria do Evangelho’ e aproximar a Igreja dos vivem à margem da sociedade

O primeiro Papa a se chamar “Francisco”, inspirado pelo santo pobre de Assis, encerrou sua missão na Terra após quase 12 anos de pontificado. O argentino Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu na segunda-feira, 21 de abril de 2025, aos 88 anos de idade.

O anúncio foi feito pelo Camerlengo Farrell da Casa Santa Marta: “Às 7h35 desta manhã, o Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da Igreja”

Ainda não foram divulgados os detalhes do seu funeral, que pela primeira vez será celebrado com um rito mais simples, por escolha do próprio Papa Francisco.

Dos encontros com os pobres, doentes e encarcerados à defesa do meio ambiente e às reformas estruturais que iniciou na Igreja Católica, o Papa Francisco buscou promover, em gestos e palavras, a “alegria do Evangelho”. Já em seu primeiro documento programático, a exortação apostólica Evangelii gaudium, publicada em novembro de 2013, ele afirmou: “A alegria do Evangelho preenche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus”. Sua maior crítica foi ao individualismo, a “consciência isolada”, que, em sua visão, produz tristeza e indiferença.

 

IGREJA ‘EM SAÍDA’

O então Arcebispo de Buenos Aires foi eleito Papa em 13 de março de 2013, sucedendo o Papa Bento XVI, que havia renunciado. Francisco foi o primeiro Papa latino-americano da história, e também o primeiro sacerdote jesuíta a chegar ao trono do apóstolo Pedro.

O longo intervalo entre a renúncia do Papa Bento XVI, em 11 de fevereiro daquele ano, e o conclave que elegeu Francisco permitiu que a Igreja pudesse discutir abertamente quais seriam as qualidades do novo Pontífice. Buscava-se um Papa reformador. A maior reforma de Francisco, entretanto, foi colocar a Igreja “em saída”, como ele mesmo definiu.

Ele acreditava fielmente que a Igreja precisava ir ao encontro de todos, onde quer que estivessem, especialmente nas realidades humanas de maior sofrimento. O Cardeal Bergoglio, então com 76 anos, foi eleito para reorganizar as estruturas da Cúria Romana, tornando-a mais servidora e mais colaborativa com a Igreja global. Mais ainda, o objetivo era revigorar o anúncio do Evangelho em um mundo fortemente secularizado e fragmentado.

Um discurso que ele fez durante as congregações gerais, em 9 de março daquele ano – reuniões dos cardeais eleitores e não eleitores antes do conclave – foi decisivo para que o nome de Bergoglio liderasse as votações. Na ocasião, ele disse: “A Igreja é chamada a sair de si mesma e ir em direção às periferias, não só aquelas geográficas, mas também aquelas existenciais. Aquelas do mistério do pecado, da dor, da injustiça, aquelas da ignorância e da ausência de fé, aquelas do pensamento, aquelas de toda forma de miséria.” Enquanto alguns batem à porta da Igreja para entrar, e nem sempre a encontram aberta, “a Igreja autorreferencial tem a pretensão de que Jesus Cristo está dentro dela, e não o deixa sair”, disse ele. Essa Igreja crê que tem luz própria, em vez de refletir a luz de Cristo no mundo, continuou.

Em sua primeira missa como Papa, celebrada com os cardeais eleitores na Capela Sistina, em 14 de março de 2013, Francisco falou de três movimentos essenciais: caminhar, edificar e confessar. Uma “Igreja em saída”, sinalizava, era uma Igreja em movimento, que não permanece congelada, fixa, que não para de acompanhar os sinais do tempo. “Caminhar sempre, na presença do Senhor”, afirmou. Mas também é uma Igreja fundada em Cristo, “edificada”, com raízes fortes na história e na tradição. Por fim, é uma Igreja que “confessa Cristo”, que vive e promove a fé, que reza e contempla, pois “se não confessarmos Cristo, nos tornaremos uma ONG assistencial”, dizia sempre.

ZELO APOSTÓLICO

Em tudo o que fez como Papa, em todos os seus discursos, Francisco promoveu essa dimensão missionária da Igreja. Ele usou muitas outras imagens, metáforas, para defini-la, como, por exemplo, a Igreja como “hospital de campanha”, que está aberto a curar as feridas de quem quer que seja, onde quer que esteja. Falava das periferias geográficas e existenciais, criticava a “cultura do descarte” e a “globalização da indiferença”.

“Vejo com clareza que a coisa de que a Igreja precisa mais hoje é a capacidade de curar as feridas e aquecer os corações dos fiéis, a proximidade”, disse, em uma entrevista a La Civiltà Cattolica, em setembro de 2013. “Eu vejo a Igreja como um hospital de campanha, depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se ele tem colesterol ou nível de açúcar elevado! É preciso curar suas feridas. Depois podemos falar de todo o resto. Curar as feridas, curar as feridas… E é preciso começar de baixo.”

 

Usando linguagem simples e aproximando-se dos “descartados” da sociedade, Papa Francisco fez jus ao seu nome e, fortalecendo a antiga tradição dos Papas que oferecem caridade aos mais necessitados, foi ao encontro daqueles que estão à margem da sociedade: os pobres, os doentes, os moradores de rua, os idosos, os indígenas, os prisioneiros, as pessoas com deficiência, os migrantes e refugiados. 

Desde o primeiro dia, ele se apresentou ao mundo como “bispo de Roma”, um sacerdote e pastor. Em audiência geral, de 2023, ele declarou: “O zelo apostólico nunca é uma simples repetição de um estilo adquirido, mas um testemunho de que o Evangelho está vivo aqui, para nós, hoje. Conscientes disto, olhemos, portanto, para a nossa época e para a nossa cultura como um dom. Elas são nossas e evangelizá-las não significa julgá-las de longe, nem ficar numa varanda gritando o nome de Jesus, mas descer para as ruas, ir aos lugares onde se vive, frequentar os espaços onde se sofre, se trabalha, se estuda e se reflete, habitar as esquinas onde os seres humanos compartilham o que faz sentido para suas vidas.”

Priorizando esse zelo pastoral, também procurou curar as feridas, com diferentes gestos de acolhimento, entre aqueles que se sentiam afastados da Igreja. Entre eles, as pessoas que vivem em uma segunda união conjugal, os homossexuais, as vítimas de abusos, entre outros. Sem mudar a doutrina da Igreja sobre questões de fé e moral, ele procurou aplicar a abordagem de Cristo diante da “ovelha perdida”.

A imagem do Bom Pastor, disse ele em uma audiência geral de maio de 2016, é aquela do “pastor que carrega sobre os ombros a ovelha perdida” e representa “a solicitude de Jesus diante dos pecadores e a misericórdia de Deus que não se conforma com perder ninguém”. A proximidade de Cristo com os pecadores, disse Francisco, “não deve escandalizar, mas, ao contrário, deve provocar em todos uma séria reflexão sobre como vivemos a nossa fé”.

Com a intenção de renovar espiritualmente a Igreja e o mundo, o Papa Francisco convocou, entre 2015 e 2016, um ano jubilar dedicado ao tema da misericórdia. “O perdão é o sinal mais visível do amor do Pai, que Jesus quis revelar em toda a sua vida”, escreveu na carta apostólica Misericordia et misera, à conclusão daquele Jubileu Extraordinário. “Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e não merecido”, continuou.

TRÊS GRANDES PREOCUPAÇÕES

O contexto histórico do pontificado de Francisco foi complexo. Como ele costumava dizer, não vivemos em uma “época de mudanças, mas em uma mudança de época”. Ainda assim, talvez seja possível destacar três temas que foram especialmente caros ao Papa: o meio ambiente, a migração e a paz. Nesses três pontos, ele se colocou em diálogo com o mundo e promoveu a unidade e cooperação entre os povos.

Francisco foi o primeiro Sumo Pontífice a publicar uma encíclica – documento de maior peso entre aqueles escritos por um Papa – dedicada principalmente à questão ambiental. A Laudato si’, de 2015, é endereçada a “todas as pessoas que habitam neste planeta”, diante da “deterioração global do ambiente”. O Papa entrou em diálogo com o mundo da ciência e da política, além de outros líderes cristãos, apresentando propostas “éticas e espirituais” para solucionar o problema ambiental. Em sua visão, não basta oferecer respostas técnicas para os desafios humanos.

Como São Francisco de Assis, ele propôs à humanidade “cuidar de tudo o que existe”, pois ao planeta Terra é Criação de vida, a nossa “casa comum”. Escreveu Francisco: “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado.”

Ele voltou à questão ambiental inúmeras vezes, associando-o diretamente aos problemas sociais: são os mais pobres e indefesos os que mais sofrem as consequências dos desastres ambientais. A Laudato si’ foi lida e debatida internacionalmente, influenciando, inclusive, a Conferência do Clima das Nações Unidas de 2015 (COP21), que chegou ao histórico Acordo de Paris. Em 2023, Francisco publicou outro documento, a exortação apostólica Laudate Deum, insistindo na urgência de se reverter as mudanças climáticas causadas pela ação humana.

questão migratória também permeou diversos momentos do pontificado do Papa Francisco. Sua primeira viagem como Papa foi para Lampedusa, pequena ilha em território italiano, conhecida por ser um ponto de chegada na Europa de centenas de milhares de migrantes, vindos da África e da Àsia. Francisco chamou o Mar Mediterrâneo de um “cemitério a céu aberto” e criticou as autoridades globais por não coordenarem ações humanitárias em favor dos migrantes.

“‘Onde está o teu irmão? A voz do seu sangue clama a Mim’, diz o Senhor Deus. Esta não é uma pergunta posta a outros; é uma pergunta posta a mim, a ti, a cada um de nós. Estes nossos irmãos e irmãs [migrantes] procuravam sair de situações difíceis, para encontrarem um pouco de serenidade e de paz; procuravam um lugar melhor para si e suas famílias, mas encontraram a morte. Quantas vezes outros que procuram o mesmo não encontram compreensão, não encontram acolhimento, não encontram solidariedade! E as suas vozes sobem até Deus”, disse, em julho de 2013.

Papa Francisco enxergou a paz fragilizada no mundo desde o início do seu pontificado. Ele dizia que o mundo vive uma “Terceira Guerra Mundial em pedaços”, pois, em vez de um grande conflito global, enfrenta várias guerras menores, mas não menos sangrentas. Em seus discursos durante a pandemia da COVID-19, entre 2020 e 2021, ele dizia que “estamos todos no mesmo barco” e que o mundo poderia sair melhor ou pior daquela crise, mas não igual.

Infelizmente, duas guerras de peso internacional se seguiram: aquela que derivou da invasão da Ucrânia pela Rússia, e o acirramento dos conflitos entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza.  Em diferentes ocasiões, Papa Francisco afirmou que “a guerra é sempre um mal”, e que os únicos vencedores são “os vendedores de armas”. O Papa colocou a estrutura diplomática da Santa Sé a serviço dos povos atingidos pela guerra, tentou esforços de mediação, mas não obteve sucesso na suspensão dos conflitos. Ainda assim, Francisco rezava diariamente pela paz.

REFORMAS ESTRUTURAIS

Como homem de governo, o Papa Francisco foi alguém que iniciou uma série de processos ainda sem conclusão. Ele mesmo dizia na Evangelii gaudium, em 2013, que “o tempo é superior ao espaço” e, portanto, é preciso trabalhar olhando sempre para o longo prazo, “sem a obsessão dos resultados imediatos”. O “dinamismo da realidade” deve ser enfrentado com paciência, dando tempo aos processos, dizia.

Papa Francisco trabalhava muito, talvez até demais. Quase não tirava dias de descanso. Mas também sabia que as sementes plantadas hoje levam tempo para crescer. No décimo ano de seu pontificado, ele promulgou a constituição apostólica Praedicate evangelium. Para chegar nesse ponto, criou o Conselho de Cardeais (C9), uma demanda ouvida antes da eleição. Trata-se de um comitê de nove cardeais que auxiliam o Papa no governo da Igreja e, especialmente, na reforma das estruturas do Vaticano. Francisco dizia que a Cúria Romana ainda funcionava como uma corte monárquica – como se ele fosse um rei com poderes absolutos, que precisa ser bajulado e saciado – e isso, em suas palavras, “é uma lepra”, uma doença no coração da Igreja.

A reforma do zelo apostólico deveria, portanto, colocar o Evangelho ao centro de tudo, e reconhecer o Papa como Bispo de Roma, Sucessor do apóstolo Pedro, um pescador chamado por Cristo para liderar os seus. Concretamente, entre as reformas estruturais, e construindo sobre bases estabelecidas por Bento XVI, ele também melhorou as normas e orientações da Igreja para lidar com o problema dos abusos sexuais, morais e de poder. Em outras áreas, promoveu revisões e atualizações de estatutos em diferentes instituições da Igreja no mundo todo, consolidou uma reforma dos organismos financeiros do Vaticano e limitou os mecanismos que pudessem dar a impressão que trabalhar na Igreja é “fazer carreira”.

AMPLA ESCUTA

Na mensagem para o 56º Dia Mundial das Comunicações, o Papa Francisco escreveu: “Também na Igreja, há grande necessidade de escutar e de nos escutarmos. É o dom mais precioso e profícuo que podemos oferecer uns aos outros. Nós, cristãos, nos esquecemos de que o serviço da escuta nos foi confiado por aquele que é o ouvinte por excelência e em cuja obra somos chamados a participar.”

Além de promover mais transparência e mais interação nos processos decisionais da Igreja, especialmente no Vaticano, Francisco entra para a história como o Papa da sinodalidade, da escuta. Por crer que a Igreja esteja sempre “em caminho”, e num caminho que se faz juntos, ele organizou muitos encontros sinodais importantes: o Sínodo sobre a Família (2015-2016), o Sínodo sobre os Jovens (2018), o da Sínodo Amazônia (2019) e, por fim, o Sínodo sobre a Sinodalidade (2021-2024).

Este último reorganizou a dinâmica do Sínodo, que realizou a maior consulta já organizada na história da Igreja. De tema bastante abrangente, o Sínodo sobre a Igreja Sinodal foi, essencialmente, sobre como a Igreja se organiza e toma decisões conjuntas. Francisco acreditava que o caminho deveria ser percorrido entre irmãos e irmãs, com confiança mútua na unidade, respeitando as diferenças.

Nesse sentido, as assembleias deste Sínodo incluíram, pela primeira vez, junto aos Bispos, pessoas leigas, religiosos e religiosas, que tiveram as mesmas oportunidades de fala e de voto. Trata-se, ainda, de um processo espiritual partilhado, de escuta da vontade de Deus. “O caminho sinodal é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”, afirmava.

O princípio da sinodalidade, segundo a Comissão Teológica daquele Sínodo, é “a ação do Espírito na comunhão do Corpo de Cristo e no caminho missionário do Povo de Deus”. Em outras palavras, os dons do Espírito chegam a todos os fiéis batizados “e se manifestam de muitas formas, com igual dignidade”.

A IGREJA QUE SONHOU

Francisco desejou uma Igreja mais participativa, mais aberta e sintonizada com os sinais dos tempos – como pedia o Concílio Vaticano II. Assim, ela vive melhor a comunhão e a missão, dizia. Na prática, ele promoveu o que chamava de “cultura do encontro” dentro da própria Igreja – é algo que, ele esperava, deveria durar para além de seu pontificado.

Entretanto, ele criticava continuamente o “mundanismo espiritual”, ou seja, a prática da religião sem a sua dimensão transcendente, divina. A Igreja que ele sonhou, portanto, pode se resumir em duas palavras: adoração e serviço. “Amar a Deus se faz com adoração e serviço”, afirmou o Papa Francisco na missa de conclusão da assembleia sinodal de outubro de 2023.

“A adoração é a primeira resposta que podemos oferecer ao amor gratuito, ao amor surpreendente de Deus”, disse. “É esta, irmãos e irmãs, a Igreja que somos chamados a sonhar: uma Igreja serva de todos, serva dos últimos. Uma Igreja que acolhe, serve, ama, perdoa, sem nunca exigir antes um atestado de boa conduta. Uma Igreja com as portas abertas, que seja porto de misericórdia”, completou.

Em 13 de dezembro de 1969, foi ordenado sacerdote por Dom Ramón José Castellano. De 1970 a 1971, deu continuidade à sua preparação em Alcalá de Henares, na Espanha, e em 22 de abril de 1973 emitiu a profissão perpétua nos jesuítas. Regressou à Argentina, onde foi mestre de noviços na Villa Barilari em San Miguel, professor na faculdade de Teologia, consultor da província da Companhia de Jesus e também Reitor do colégio.

No dia 31 de julho de 1973, foi eleito provincial dos jesuítas da Argentina, cargo que desempenhou durante seis anos. Depois, retomou o trabalho no campo universitário e, de 1980 a 1986, foi novamente reitor do colégio de São José, e inclusive pároco em San Miguel. No mês de março de 1986, partiu para a Alemanha, onde concluiu a tese de doutoramento; em seguida, os superiores enviaram-no para o colégio do Salvador em Buenos Aires e sucessivamente para a igreja da Companhia, na cidade de Córdoba, onde foi diretor espiritual e confessor.

O Cardeal Antonio Quarracino convidou-o a ser o seu estreito colaborador em Buenos Aires. Assim, a 20 de maio de 1992, São João Paulo II nomeou-o bispo titular de Auca e Auxiliar de Buenos Aires. No dia 27 de junho, recebeu na catedral a ordenação episcopal precisamente do cardeal. Como lema, escolheu Miserando atque eligendo e no seu brasão inseriu o cristograma IHS, símbolo da Companhia de Jesus.

Em 3 de Junho de 1997, foi promovido a arcebispo coadjutor de Buenos Aires. Nove meses depois, com o falecimento do Cardeal Quarracino, sucedeu-lhe em 28 de fevereiro de 1998. Três anos mais tarde, no Consistório de 21 de Fevereiro de 2001, São João Paulo II criou-o cardeal. Em abril de 2005, participou no conclave durante o qual foi eleito Bento XVI.

O então Cardeal Jorge Mario Bergoglio participou da V Conferência do CELAM, em Aparecida, em 2007, e foi relator do Documento de Aparecida. É autor dos livros Meditaciones para religiosos (1982), Reflexiones sobre la vida apostólica (1986) e Reflexiones de esperanza (1992).

VIAGENS E DOCUMENTOS

Eleito sucessor de Pedro em 13 de março de 2013, após a renúncia do Papa Bento XVI, ele se tornou o primeiro Papa nascido no continente americano e o primeiro do Hemisfério Sul. Foi entronado em 19 de março de 2013.

Ao longo de seu pontificado, Papa Francisco fez 47 viagens apostólicas, além de viagens dentro da Itália, tornando-se o Papa com maior número de viagens na história.

Publicou três encíclicas, a primeira, Lumen fidei, a quatro mãos com Bento XVI, em 2013, e outras três de próprio punho: Laudato si’ (2015), Fratelli Tutti (2020) e Dilexit nos (2024). Suas exortações apostólicas também são foram muito importantes: Evangelii gaudium (2013), Amoris laetitia (2016), Gaudete et exsultate (2018), Christus vivit (2019), Querida Amazonia (2020), Laudate Deum (2023) e C’Est la confiance (2023).

47

Viagens Apostólicas

3

Encíclicas

7

Exortações

O Papa de Aparecida

PADRE DR. JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA E SILVA - PRESBÍTERO NA DIOCESE DE OSASCO (SP)

.Em 21 de abril de 2025, conclui-se uma importante página da história do catolicismo contemporâneo: com o falecimento do Papa Francisco, encerra-se um magistério marcado por imagens fortes e intuições proféticas.

Eleito em março de 2013, o Papa “do fim do mundo” — como gostava jocosamente de se autodenominar, em alusão ao habitual gracejo argentino sobre a natureza austral de seu país — fez da evangelização nas periferias, nas fronteiras, o norte de seu pontificado, imprimindo-lhe o selo missionário tão característico de sua vocação jesuíta.

Mas não foi apenas isso. Um evento que marcou profundamente sua consciência pastoral foi a V Conferência do Episcopado Latino-americano, realizada em Aparecida, no ano de 2007. Em mais de uma ocasião, ele se referiu ao Documento de Aparecida como um “milagre”, dado o propósito inicial de não se redigir nenhum documento, e as divergências de opinião que surgiram após a decisão de redigi-lo.

A Conferência de Aparecida propôs conjugar toda a ação pastoral da Igreja em chave missionária, mediante a formação de discípulos-missionários que se tornem agentes de uma autêntica missão continental, capaz de reorganizar todas as estruturas eclesiais a fim de renovar a Igreja e ir ao encontro de todos os homens, levando-lhes a luz do Evangelho.

ECLESIOLOGIA SINODAL

Percebendo-se o nexo entre o pontificado de Francisco e Aparecida, compreende-se sua natureza intrinsecamente sinodal. Em outras palavras, ao invés de se entender como portador exclusivo de uma intuição, o Papa via a si mesmo como aquele que escuta — sondando, na voz dos irmãos, a voz do Espírito Santo.

É notável que os principais documentos de seu pontificado não sejam encíclicas ou constituições apostólicas, mas exortações apostólicas pós-sinodais — documentos elaborados após longos processos de escuta da Igreja universal, envolvendo bispos e fiéis de todos os continentes.

Nesse sentido, a liberdade com que Francisco permitia discussões chocou muitas suscetibilidades. Quando tudo parecia já definido, mas ainda havia vozes e queixas silenciadas, ele preferia que o sussurro se transformasse em diálogo. Desde a comunhão para casais em segunda união até a ordenação de viri probati e a bênção de parceiros do mesmo sexo, não havia tabu que não pudesse ser abordado — não como objeto de plebiscito ou deliberação parlamentar, mas como tentativa sincera de compreender que respostas a Igreja deve dar aos desafios de hoje.

De peito aberto, enfrentou a crise dos abusos sexuais de clérigos, a reestruturação da Cúria Romana, abusos de consciência e de autoridade em novas comunidades e instituições. Sempre com escuta atenta, e discernimento paciente, buscava os passos a dar. A aparente instabilidade de sua abertura era frequentemente sucedida por decisões firmes e serenas. O mesmo Papa que inquietava os que recusavam o diálogo foi, por vezes, a decepção de entusiastas de um vanguardismo irresponsável.

IGREJA EM SAÍDA

Uma das imagens mais emblemáticas de seu pensamento eclesiológico encontra-se na sua “carta magna”, a exortação apostólica Evangelii Gaudium: a imagem da “Igreja em saída missionária”.

Para alguns observadores, a impressão de que o aspecto pastoral foi privilegiado em detrimento do doutrinal gerou confusões. Mas, na verdade, a “opção Francisco” não consistiu em subordinar uma dimensão à outra, mas em colocá-las em mútuo serviço: anunciar o Evangelho, antes de tudo, significa propor o encontro com o amor gratuito de Deus em Cristo — e só depois, como consequência, oferecer um caminho de conversão e de reforma de vida (cf. EG, 39).

Para essa Igreja em saída, ganhar o irmão é prioridade; acolhê-lo e integrá-lo em um paciente processo de discernimento é a metodologia. Isso exige respeito à gradualidade na apresentação do ideal evangélico. Posturas rígidas e moralistas podem ter afastado mais do que aproximado corações de Cristo.

Por isso, ao invés de insistir em uma agenda negativa (“a Igreja é contra isto ou aquilo”), Francisco preferiu a agenda positiva, centrada nos pontos mais sensíveis e compartilhados por nossos contemporâneos. Essa mudança de paradigma mostrou-se providencial num tempo em que a Igreja, envolta em escândalos de ordem sexual, financeira e política, ocupava lugar marginal no debate público. Com sua eleição, o Papa mudou o tom: tornou-se voz escutada, sobretudo por aqueles que não fazem parte da estrutura eclesial.

Essa nova relevância permitiu-lhe realizar a reforma institucional da Cúria Romana, recolocando-a explicitamente a serviço da evangelização universal das Igrejas particulares. Falava da necessidade de desburocratizar a Igreja, para que ela fosse mais hospital de campanha do que alfândega fiscalizadora.

DA FRATERNIDADE À CASA COMUM

Atento aos sinais dos tempos, Francisco sintonizou seu magistério com os temas mais candentes da atualidade. Embora alguns os tenham julgado excessivamente “seculares”, o cenário de descaso pela vida e pelo próximo exige, mais do que nunca, um apelo ao cuidado e à ternura.

Desde o início, denunciou a “cultura do descarte”, mentalidade que subjaz à exclusão e à injustiça: pessoas e coisas são desprezadas como não sendo mais úteis e necessárias. Em oposição a essa lógica, propôs uma ética da inclusão — que devolve visibilidade aos invisíveis: pobres, jovens, pessoas com deficiência, idosos…

Numa Europa secularizada e temerosa, foi incansável em sua defesa da acolhida aos migrantes, pedindo que fossem reconhecidos não só como pessoas, mas como irmãos — e como construtores da civilização ocidental, cuja identidade multiétnica e multicultural está em suas raízes.

No plano internacional, insistiu na necessidade de construir pontes, superar os nacionalismos e promover uma política a serviço da paz e uma economia de comunhão. Em outras palavras: amizade social e cultura do encontro.

Compreendia sua missão como bispo de Roma não apenas ad intra, mas também ad extra: promover o diálogo e a fraternidade também fora da Igreja. Seus discursos a líderes de outras religiões devem ser lidos à luz dessa intenção: não como sinal de indiferentismo religioso, mas como ação do Papa enquanto figura pública global, interlocutor da sociedade civil.

Seu zelo se estendia à própria criação. Ao convocar todos os povos ao cuidado com a “casa comum”, propôs uma verdadeira ecologia integral, fundada na ecologia humana, ou seja: o cuidado com o meio ambiente deve caminhar com o respeito à dignidade humana, ao corpo e à diferença sexual (cf. Laudato si’, 155).

Condenou reiteradas vezes a ideologia de gênero, chamou o aborto de “nazismo de luvas brancas” e denunciou a doutrinação escolar como “colonização ideológica”. Embora tais temas não fossem recorrentes em sua fala — ele mesmo afirmava que não era necessário repeti-los continuamente —, quando abordava esses assuntos, falava com clareza e firmeza.

O ROSTO DA MISERICÓRDIA

O grande legado do Papa Francisco é Jesus Cristo, por ele definido como “rosto da misericórdia do Pai”. A misericórdia é o coração pulsante do seu magistério.

Seu lema episcopal — Miserando atque eligendo (“olhou-o com misericórdia e o escolheu”) — exprime sua autocompreensão: “Sou um pecador a quem o Senhor olhou com misericórdia” (Entrevista à Civiltà Cattolica, 2013).

Dessa visão nasce toda a sua eclesiologia: a misericórdia como estilo eclesial. A Igreja deve ser casa paterna de portas abertas, lugar de acolhimento e perdão, onde o primeiro anúncio — o kerigma — ocupa o centro, como manifestação da graça salvadora que alcança a todos.

Por isso, proclamou em 2015 o Ano Santo da Misericórdia, apresentando a Igreja como “Casa da Misericórdia para todos os povos”. Ao concluí-lo, escreveu: “A misericórdia não é uma pausa na vida da Igreja, mas é a sua própria existência.” (Misericordia et Misera, 1)

A misericórdia, para ele, é o antídoto contra o legalismo mesquinho, e o impulso para buscar os feridos nas periferias existenciais, à maneira do bom samaritano.

DE MARIA A MARIA

As intuições de Francisco nasceram sob o som das orações e cantos dos romeiros em Aparecida — experiência que o marcou profundamente, ainda mais por ter sido a primeira Assembleia do CELAM em um Santuário Mariano (cf. Discurso aos responsáveis pelo CELAM, 2013). A presença de Maria acompanhou todo o seu pontificado.

Teve especial carinho por Nossa Senhora Aparecida, a quem entronizou nos Jardins Vaticanos em 2016: “Apraz-me que a imagem de Nossa Senhora Aparecida esteja nos Jardins. Em 2013 prometi que voltaria. Não sei se será possível, mas pelo menos tenho-a mais perto, aqui.”

Na viagem ao Brasil, exclamou no Santuário Nacional: “Quanta alegria me dá vir à casa da Mãe de cada brasileiro!”. E relembrou: “Aquela Conferência foi um grande momento de vida da Igreja. E, de fato, pode-se dizer que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os trabalhos dos pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de Maria.”

No dia seguinte à sua eleição, foi à Basílica de Santa Maria Maior para consagrar seu pontificado à Virgem Salus Populi Romani. Antes e depois de cada viagem, sempre voltava lá, como um filho.

Agora, em sua última viagem — a que o conduz à eternidade — o Santo Padre, contrariando a tradição de ser sepultado nas Grutas Vaticanas, quis repousar num simples caixão, sem ostentação, na Basílica de Santa Maria Maior, a mais antiga das igrejas marianas do Ocidente.

Com a simplicidade de um filho, entrega-se aos braços da Mãe, deixando a Igreja órfã — em pleno Jubileu. Chegando à meta, despede-se de seus filhos, que continuam a marcha rumo ao Céu, como “peregrinos da esperança”.

* Pe. José Eduardo de Oliveira e Silva é Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

Líderes mundiais enaltecem o legado do Papa

 JOSÉ FERREIRA FILHO - osaopaulo@uol.com.br

Homenagens foram feitas em todas as partes, oferecendo condolências aos católicos e elogiando o compromisso do Pontífice com a paz entre os povos, o bem comum e os pobres, refugiados e marginalizados. A seguir, O SÃO PAULO apresenta um apanhado de algumas dessas declarações, que demonstram o reconhecimento que Francisco obteve entre autoridades políticas e religiosas de todo o mundo:

A humanidade perde uma voz do respeito e acolhimento ao próximo... Assim como ensinado na oração de São Francisco de Assis, o argentino Jorge Bergoglio buscou de forma incansável levar o amor onde existia o ódio; a união onde havia a discórdia. E a compreensão de que somos todos iguais, vivendo em uma mesma casa, o nosso planeta, que precisa urgentemente dos nossos cuidados. Com sua simplicidade, coragem e empatia, Francisco trouxe ao Vaticano o tema das mudanças climáticas. Criticou vigorosamente os modelos econômicos que levaram a humanidade a produzir tantas injustiças.”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

“O Papa Francisco também compreendeu que proteger nossa casa comum é, no fundo, uma missão e responsabilidade profundamente moral que pertence a cada pessoa.”

António Guterres, secretário-geral da ONU

“Tive o privilégio de desfrutar de sua amizade, seus conselhos e seus ensinamentos, que nunca falharam, mesmo em momentos de provação e sofrimento. Ele convocou o mundo a buscar o caminho da paz, perseguir o bem comum e construir uma sociedade mais justa e equitativa. Seus ensinamentos e seu legado não serão perdidos. Um grande homem e um grande pastor!”

Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália

Um humanista, um homem que sempre esteve próximo dos mais humildes. Deixa um grande legado de verdadeiro amor ao próximo. Para católicos e não católicos, é uma grande perda. Conhecê-lo foi uma grande honra e privilégio. Descanse em paz.”

Claudia Sheinbaum, presidente do México

Ele era um homem muito bom, que trabalhou duro e amou o mundo. “Descanse em paz, Papa Francisco! Que Deus o abençoe e a todos que o amavam!”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Ele exemplificou a liderança servidora por meio de sua humildade, seu compromisso inabalável com a inclusão e a justiça, e sua profunda compaixão pelos pobres e vulneráveis.”

William Ruto, presidente do Quênia

“A sua vida foi dedicada a Deus, às pessoas e à Igreja. Ele sabia como dar esperança, aliviar o sofrimento por meio da oração e promover a unidade. Ele rezou pela paz na Ucrânia e pelos ucranianos. Lamentamos juntamente com os católicos e todos os cristãos que procuraram apoio espiritual no Papa Francisco. Memória eterna!”

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia

“Ele foi um símbolo da humanidade que promoveu o entendimento entre as religiões e apoiou os direitos dos oprimidos, refugiados e marginalizados. Ele fortaleceu as relações com [a mesquita de] Al Azhar, no Cairo, e o mundo islâmico por meio de suas visitas a vários países árabes e muçulmanos e suas visões justas e humanas, particularmente sobre a agressão contra Gaza e a luta contra a islamofobia abjeta.”

Grande Imã Ahmed al-Tayeb, autoridade muçulmana do Egito

Jornal O São Paulo

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