Fraternidade e Ecologia Integral na Campanha da Fraternidade 2025

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Fraternidade e Ecologia Integral na Campanha da Fraternidade 2025

Temática sobre os cuidados para com o meio ambiente retorna à pauta na Campanha da Fraternidade de 2025; confira a entrevista completa com o Professor Telmo Pedro Vieira

No próximo dia 5 de março, quarta-feira de cinzas, daremos início à Quaresma, um evento universal para a Igreja Cristã. No Brasil, anualmente a CNBB aproveita o período para debater assuntos de interesse social e sensibilizar as pessoas através da Campanha da Fraternidade. A cada ano um novo assunto é abordado em profundidade, promovendo conscientização e ações concretas.

Porém, dada a sua importância, as questões ambientais sempre retornam ao debate e essa é a 9ª vez que vamos falar sobre elas. Dessa vez o tema é ‘Fraternidade e Ecologia Integral’, e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31). O apelo é para louvar a Deus pela beleza da Criação, fazer um caminho decidido de conversão ecológica e vivenciar a Ecologia Integral, ouvindo o clamor dos pobres e da terra, criação de Deus.

E o Jornal Fonte buscou um dos maiores estudiosos e pesquisador do assunto no Brasil, na temática Igreja x Meio Ambiente, para falar sobre as questões da Ecologia Integral. Telmo Pedro Vieira é professor da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina – e Animador Laudato Si. Ele possui Pós-doutorado em Sociologia da Religião; Mestrado e Doutorado em Antropologia Ibero-americana; Formação em Pedagogia e Especialização em Educação Socioambiental. Em suas respostas, Prof. Telmo, que também foi o animador do Seminário da Campanha da Fraternidade, realizado em Caçador nos dias 01 e 02 de fevereiro, acende um alerta para a gravidade da situação ambiental, que coloca o planeta às margens de um colapso e em risco a continuidade da vida humana na terra.

O que motivou a escolha do tema deste ano?

O que motivou foi o agravamento da situação climática global. Segundo o cientista Carlos Nobre, “o que está diante de nós não é a extinção do planeta Terra, mas a possibilidade da extinção da vida humana no planeta”. Como define o secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, “estamos vivendo na era da fervura global”. Então essa é uma preocupação não só da igreja, mas do mundo, pois a situação vem se agravando de forma acelerada nas últimas décadas. O Papa já lançou dois documentos importantes sobre a situação do nosso Planeta (Laudato Sí’ e Laudato Deum), demonstrando sua preocupação com a causa ambiental e chamando a atenção das autoridades que pouco fizeram. Então, a escolha do tema é reflexo do compromisso da Igreja de cuidar da Obra da Criação, cuja situação é muito grave.

A Ecologia é a questão mais tratada pelas CF’s desde o início de sua existência. Porque esse assunto sempre vem à tona?

Desde 1962, quando foi lançada a primeira CF, nós já tivemos oito Campanhas da Fraternidade focadas nas questões ambientais e algumas foram muito interessantes, como a de 2011, que mesmo antes da COP21 e da Laudato Si’, já tratava da vida no planeta trazendo como lema ‘A Criação Geme em Dores de Parto’. Isso mostra que a Igreja vem se preocupando há muito tempo com a questão. Tanto que se olharmos a Doutrina Social da Igreja, em todo o seu percurso, vivenciamos momentos distintos de preocupação ecológica. Tivemos Ecologia Criacional, depois a Ecologia Ambiental, com o Papa João Paulo II, o Papa Bento XVI abordou a Ecologia Humana e, por fim, o Papa Francisco tratou da Ecologia Integral. Outra questão é que neste ano comemoramos os 800 anos do Cântico das Criaturas, os 10 anos da Laudato Sí’, o Jubileu da Esperança e ainda a COP-30 que será realizada no Brasil. Logo, 2025 é um momento oportuno de se levar o anúncio da urgência de cuidarmos da Nossa Casa Comum, a partir de uma campanha que nasce da fraternidade, da caridade e da compaixão.

Estamos vivendo um tempo de crise socioambiental? Por quê?

O grande motivo são as mudanças climáticas provocadas pelo processo de desenvolvimento, de forma direta o uso dos combustíveis fósseis.  Desde a primeira revolução industrial, em 1760, que marcou a transição de um sistema feudal para o sistema capitalista, o clima do planeta começou a alterar-se, por causa dos gases de efeito estufa. O nosso modelo econômico, o capitalismo, conduz as pessoas ao consumismo e as empresas a produzirem mais, porque o consumo é a base do capitalismo. Então essa produção em excesso, que não respeita os limites da natureza, acaba enviando para a atmosfera uma quantidade muito grande de gases de efeito estufa. Esses gases estão provocando o que chamamos de Aquecimento Global. E o aquecimento global altera a vida no planeta, provocando eventos extremos, como os que estamos assistindo nos dias de hoje: excesso de chuva no sul do Brasil (situação do Rio Grande do Sul), chuvas torrenciais na Espanha e em Portugal, neve no deserto da Arábia Saudita, incêndios por todos os lados, secas no Brasil, África, perda da biodiversidade em todo Planeta. Essa é a gravidade da situação hoje e digo que a crise não é só social e nem só ambiental, mas socioambiental e global. É real e também é injusta porque atinge os mais pobres. Quem mais sofre hoje com as mudanças climáticas são as periferias, as comunidades indígenas, os povos tradicionais, os povos ribeirinhos, as periferias das cidades, enfim, todos que estão à margem de um processo de inclusão. E aqui eu vou dar um exemplo: a África é a região do planeta que menos colabora na produção de gases de efeito estufa, mas é a região que sofre maior impacto com a fome e a sede.

Acredita que a CF pode contribuir para um processo de conversão integral nas pessoas e comunidades?

Acredito que só assim vamos superar a crise que estamos vivendo, porque a campanha nos propõe uma ação que é muito importante, a mudança de estilo de vida, um modo de viver sem acúmulo, sem excessos de consumo, sem descartáveis. Temos que passar a ter com a natureza uma relação de fraternidade e não uma relação de exploração. Entendendo que a natureza vive sem o homem, mas o homem não vive sem ela. A Campanha da Fraternidade é um período de mudança, de conversão. Queremos que o ser humano olhe para a obra da criação – a nossa Mãe Terra, da qual faz parte e perceba que tudo está interligado. Mais que isso, importante se dar conta de que antes de nascer qualquer tipo de ideologia, já existia Cristo, que é o conjunto de ideias mais fantástico que se tem e que provoca em nós uma mudança de postura e comportamento, e a Palavra de Deus – o Evangelho.

Como ouvir o grito dos pobres e da Terra, conforme sugere a CF25?

Eu digo que temos que silenciar o nosso egoísmo, o nosso individualismo e abrir os olhos para realizar o processo de conversão. A hora que nós silenciarmos o nosso egoísmo e deixarmos de pensar somente nos nossos desejos, no ter e no poder, e nos colocarmos no lugar do outro, sentir a dor do outro, estaremos aptos a ouvir o grito da Terra e dos Pobres. Não olhar o irmão que sofre com todas as injustiças socioambientais como estatística, como números, mas como um irmão que precisa da nossa compaixão, do nosso amor.

O Senhor acredita que se não houver uma mudança nas atitudes individuais e coletivas, podemos vir a enfrentar um colapso planetário em breve?

Sem dúvida. A situação planetária é muito grave.

É muito triste dizer isso, mas por falta de compromisso da comunidade internacional, dos chefes de estados e das grandes corporações, estamos caminhando para um suicídio planetário. Isso me deixa muito triste, porque eu tenho filhos e me preocupa saber em que mundo meus netos irão viver ou sobreviver. Nós Cristão somos movidos pela esperança, acreditamos que podemos mudar. O nosso Deus é o Deus da vida é o Deus da ecologia integral. Precisamos aproveitar o ano do Jubileu (2025), que nos convida a esperançar e partir para uma caminhada de justiça socioambiental, em busca de uma nova relação com Deus, com as outras pessoas e das pessoas com a natureza.

Por onde começar essa mudança?

Vamos começar por nós. Sabemos que a Campanha da Fraternidade não chega a todos os recantos do Brasil, mas, vamos fazer a nossa parte, iniciando um processo de conversão ecológica, mudança de estilo de vida; deixando o consumismo descontrolado para só consumir o que precisamos; não acumular e evitar o uso de material descartáveis e de uso único. Enfim, a CF2025 apresenta uma série de sugestões para auxiliar nessa nova etapa de nossas vidas.

Caso não haja esse cuidado, o que pode vir a ser mais prejudicial para a humanidade em termos ambientais?

O planeta está à beira de um colapso ambiental, já ultrapassamos seis dos nove limites que poderíamos ultrapassar para garantir um planeta habitável para o ser humano. Não queremos dizer que o planeta está a desaparecer, quem vai desaparecer é a espécie humana. Esse é o grande problema, o que está em jogo não é a vida do planeta, é a vida humana, é a nossa extinção que está em risco. Já passamos por cinco extinções em massa e o planeta não desapareceu. Na quinta extinção desapareceram os dinossauros, porém esse processo de extinção levou milhares de anos, já a nossa espécie irá desaparecer bem mais rápido. A temperatura média da terra, em relação à temperatura do período pré-industrial, já subiu 1,5°C, causando mais impactos ambientais do que os 125 mil anos anteriores. Se a COP de Paris, de 2015, tivesse cumprido seus acordos, não teríamos atingido esse aumento num espaço de tempo tão curto, mas já faz 16 meses seguidos que não baixamos de um grau e meio e, se chegarmos a 2°C, 3ºC, vamos ter um colapso ambiental, com falta de água potável, degelo das calotas polares e dos glaciares, ondas de calor acima dos 40°, que levarão à morte milhares de pessoas, pois o nosso corpo não esta preparado para esse aquecimento.

O Papa Francisco abraçou a causa da ecologia de uma forma muito profunda. É fácil levar a ideia para a Igreja como um todo?

Eu digo que o Papa é o nosso novo Francisco de Assis, o “Francisco de Roma”, agora com a incumbência de restaurar toda a Igreja Católica. Ele está travando uma luta desigual. Além de ter que tratar com as autoridades mundiais, enquanto chefe de uma nação, ainda sofre resistências internas. Há muitos padres e bispos que têm um olhar de indiferença para as questões do Cuidado da Casa Comum. Já ouvi de alguns que o Papa não tem que cuidar das questões ambientais, pois isso é assunto para ecologistas e cientistas, enquanto outros consideram que o papel do padre e do bispo é salvar almas. E eu lhes digo: se você não cuidar do planeta, não terá almas para salvar.

Quais são as maiores dificuldades no enfrentamento à crise ecológica no Brasil e no mundo?

Considero que a maior dificuldade é o negacionismo e a indiferença. As pessoas não perceberem, ou não quererem perceber, a atual crise planetária. A crise climática é o problema mais grave que temos, porque ela coloca em risco de morte a espécie humana. No Brasil nós temos dois problemas seríssimos, que influem na crise planetária: o desmatamento e a pecuária e o agronegócio – é preciso deixar claro que o agro não contempla a agricultura familiar que é a solução para a produção de alimento no planeta. Os dois juntos lançam 75% de todos os gases de efeito estufa na atmosfera. Mas ainda temos outras situações graves, como a poluição em todas as suas formas e o desrespeito às leis ambientais, quando os governos permitem que se construa sobre os rios ou em suas margens, não respeitando os 30 metros da mata ciliar. Temos ainda a poluição hídrica, que hoje é um grande problema para a vida marinha; a ocupação desordenada do solo; o crescimento acelerado das cidades aliado à falta de acesso aos serviços básicos de saneamento; e, o avanço de atividades econômicas exploratórias.

Ideologia, política e aspecto geográfico podem ser complicadores para implementar a ecologia integral? Por quê?

Sim. Eles são o nosso grande calcanhar de Aquiles, porque o mundo é regido por políticas e por ideologias. São os interesses econômicos associados aos interesses políticos e ideológicos.  Não fosse isso, bastaria seguir as orientações do Papa em sua Encíclica Laudato Si’ e na sua Exortação Apostólica Laudo Deum, que estaríamos no caminho da restauração da Nossa Casa Comum.  Mas, a situação é crítica e nós precisamos enfrentar com esperança. Precisamos assumir um compromisso com a Ecologia Integral, assumir uma forma de economia que mude a lógica do mercado. Trago aqui como exemplo a Economia de Clara e Francisco, proposta pelo Papa Francisco aos jovens do mundo, de viver sem deixar se envolver pelos atrativos do mercado e do consumismo exagerado. Não precisa voltar para a idade da pedra, mas viver de forma mais simples. Se não fizermos isso, não vamos ter vida. Eu sempre lembro aqui de um versículo do Evangelho de Marcos (8, 36), que diz “De que adianta o homem ganhar o mundo se perderá a sua própria vida?”.

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